sexta-feira, 19 de agosto de 2011

- I -

A rima é pobre, mas a informação procede:
LUCIANA É UMA PESSOA MEDIANA.
Nem rica nem pobre, nem feia nem bonita, nem desprezível nem brilhante. 

Do tipo que fica mais extrovertida quando está bêbada e que se preocupa com a fatura do cartão de crédito. 
Gosta de perfumes masculinos, tem o cabelo seco, cutículas finas, usa roupas que estão na moda, e talvez a grande - essencial! - e metafísica diferença entre ela e a maioria das pessoas, incluindo a esmagadora maioria que, assim como ela, são medianas, é que Luciana estava desenvolvendo uma incurável alergia a dramas. E uma das conseqüências disto, é que começava a se tratar com uma incômoda gentileza (tem gente por aí que chama isso de 'egoísmo'). 
Existem outros efeitos, talvez também indesejáveis, que serão explicitados a seu tempo, sem prazo marcado. Nem ansiedade.

Fato é que Luciana, como boa mediana, cultivava bons amigos, embora estivesse tendo uns acessos de preguiça das pessoas. Mas como solitária ainda não era, nem queria, existia no seu ainda expressivo rol de amigos, aqueles a quem era permitido xeretar-lhe a vida. E então uma dessas pessoas, Maria, moça de olhos grandes e dores gulosas, enquanto faziam nada uma ao lado da outra, perguntou:

- Roque, cadê?
Luciana, muito ocupada besuntando de manteiga uma bolacha cream cracker, respondeu sem levantar a cabeça:
- Não sei... - e, refletindo, completou: deve estar no meio do mato!.

- E como é que você 'tá...?
A expressão de Maria ao fazer a pergunta era um misto de lamento, pena e aquela solidariedade que vem pela identificação com a dor. Expressão esta que Luciana viu, pois já estava de cara para cima, desejando que esfriasse logo o seu café, então, divertindo-se, respondeu:
- Não entendi...

- Vocês terminaram? - foi a pergunta feita e a que Luciana já esperava.
- A gente algum dia começou? - devolveu.

- Você estava tão apaixonada!...
- Sim! Ainda estou!

- Ah... Então vocês estão juntos, ele vai voltar! – concluiu Maria, como que aliviada, por ter entendido que a amiga não estava tendo que lidar com o problema mais indesejável da vida de uma mulher: a rejeição.
Então Luciana respondeu “não sei... não sei se ele vai voltar...”, e riu ao perceber a expressão de confusão no rosto da outra. Que começando a ficar irritada resolveu voltar o diálogo para o início:


- Luciana, cadê Roque?
Luciana, óbvia:
- Eu não sei! O m a i s p r o v á v e l é q u e e s t e j a e n f i a d o n o m e i o d o m a t o !
 - E você está bem?
- Estou!
- Então você não gosta mais dele?
- E por que eu não gostaria?!


Maria emburrou de vez:
- Só quem faz interrogativas sou eu!
- ‘Tá...

- Eu cheguei a achar que vocês iam casar e ter cinco filhos! - disse bem afetada, irônica e jocosa, que já que a outra estava se divertindo às suas custas, quem era Maria para não reagir, não é mesmo? 

Luciana, fingindo não perceber, respondeu:
- Isso não foi uma interrogativa!

- Ele vai voltar?
- Eu não sei.
- E se nunca mais vocês se encontrarem? 

- Você quer que eu transforme essa possibilidade num problema para a minha vida?

E se você encontrar com ele, no meio da Av. Sete, de mãos dadas com uma mulher bem bonita?


E já que havia entrado no terreno das elocubrações, Luciana resolveu ser absolutamente sincera:


- Eu vou sentir taquicardia e vou fazer de tudo para ele não me ver e, assim que chegar em casa, eu vou ter uma crise de choro; é bem provável que eu escorra pela parede do banheiro em algum momento. Aí depois eu vou passar uns dias lembrando da cara dela, e me sentido bem, muito, totalmente rejeitada; a mulher mais trocada, abandonada e largada da face da Terra! Isso vai me render mais lágrimas, muitas lágrimas. Vai doer muito, Maria. Até passar.


MARIA: Você é louca...
LUCIANA: Quem não é?